Doença de Pompe – uma condição rara, mas tratável
24 out, 2022 | Bruno Badia | Comentários desabilitados
Doença de Pompe – uma condição rara, mas tratável
Bruno de Mattos Lombardi Badia
A doença de Pompe, também conhecida como glicogenose do tipo 2, deficiência da maltase ácida ou deficiência da alfa-glicosidase ácida é uma doença genética do metabolismo muscular que leva a uma falha na degradação de glicogênio no músculo e ao acúmulo dessa substância nos lisossomos das fibras musculares. O glicogênio é uma espécie de reserva energética muscular composta por diversas moléculas de glicose e seu metabolismo é fundamental para que o músculo obtenha energia suficiente e para que não haja acúmulo de substâncias prejudiciais ao seu funcionamento adequado. Indivíduos com doença de Pompe possuem uma alteração genética (mutação no gene GAA) que leva a produção diminuída da enzima maltase ácida ou alfa-glicosidase ácida e consequentemente a uma falha no metabolismo adequado de glicogênio e acúmulo dessa substância com efeitos tóxicos sobre os músculos.
A condição recebe esse nome em homenagem ao médico holandês Joannes Cassianus Pompe, que descreveu o primeiro caso da forma infantil da doença no ano de 1932. A doença tem distribuição universal e acomete igualmente ambos os gêneros, com uma incidência estimada de 1 acometido para cada 40 – 60 mil nascimentos.
Existem duas formas principais de apresentação: uma forma precoce e uma forma tardia. O grau de atividade residual da enzima alfa-glicosidase é o que determina a forma de doença. Quanto menor a atividade da enzima, mais grave e precoce é o quadro com maior incidência de acometimento do coração.
Forma precoce:
- Ausência ou menos de 1% de atividade enzimática;
- Primeiras manifestações já no período neonatal ou antes de 1 ano de vida;
- Hipotonia ao nascimento (“bebê molinho”);
- Fraqueza para sugar, dificuldade na amamentação e engasgos;
- Fraqueza respiratória;
- Cardiomegalia e hepatomegalia (aumento de tamanho do coração e do fígado);
- Enzimas musculares elevadas;
- Biópsia muscular com achado de vacúolos contendo glicogênio;
- Doença mais grave e de rápida progressão.
Forma tardia:
- Presença de atividade enzimática residual geralmente entre 1 a 30% do normal;
- Sintomas podem se iniciar na infância ou somente na idade adulta;
- Fraqueza muscular axial e proximal = fraqueza dos músculos do abdome, coxas e ombros;
- Dores musculares;
- Hipoventilação e fraqueza respiratória;
- Sem acometimento do coração;
- Enzimas musculares normais ou com aumento discreto;
- Biópsia muscular inespecífica;
- Progressão mais lenta;
O diagnóstico definitivo da doença é obtido por meio de teste genético com identificação de variantes patogênicas (mutações) no gene GAA em homozigose ou heterozigose composta. A condição é autossômica recessiva, o que significa que são necessárias duas mutações para que haja manifestação da doença, uma proveniente do pai e outra da mãe do indivíduo acometido.
Outra possibilidade para confirmação do diagnóstico é realizar dosagem de atividade da enzima maltase ácida (alfa-glicosidase) em tecidos vivos (músculo ou cultura de fibroblastos de pele). Outros exames complementares como enzimas musculares, eletroneuromiografia, ressonância magnética e biópsia muscular são frequentemente empregados na investigação de miopatias e podem auxiliar no processo diagnóstico, mas não são suficientes para o diagnóstico definitivo.
Assim como em todas as demais doenças musculares é fundamental o acompanhamento por uma equipe multidisciplinar para reabilitação adequada, incluindo fisioterapia motora, respiratória, fonoaudiologia e terapia ocupacional, sendo eventualmente indicadas terapias de suporte nutricional e respiratório, como uso de gastrostomia ou ventilação não invasiva com BIPAP.
Entretanto, um dos aspectos mais relevantes a respeito dessa doença genética rara e que torna essencial seu reconhecimento e diagnóstico precoce é o fato de haver tratamento específico modificador de doença. Trata-se da chamada terapia de reposição enzimática, que consiste na administração endovenosa periódica (a cada 2 semanas) de enzima alfa-glicosidase ácida recombinante. Essa terapia está indicada para todos os pacientes sintomáticos diagnosticados com doença de Pompe e estudos prévios demonstram eficácia em redução de óbito e necessidade de ventilação mecânica na forma de início precoce e melhora da capacidade motora e respiratória em pacientes na forma tardia.
Em resumo, a doença de Pompe é uma condição genética rara do metabolismo muscular de glicogênio, que resulta da deficiência de uma enzima específica, podendo levar a diversos sintomas como fraqueza muscular, fraqueza respiratória e acometimento do coração em suas formas precoces. A identificação dessa condição e seu diagnóstico precoce são essenciais, tendo vista que existe tratamento específico capaz de melhorar significativamente aspectos como sobrevida, força muscular e capacidade respiratória dos indivíduos tratados.