Porfirias

26 jan, 2023 | Bruno Badia | Comentários desabilitados

Porfirias

Bruno de Mattos Lombardi Badia

As porfirias são doenças genéticas raras causadas por mutações em genes responsáveis pelo metabolismo do heme. O heme é um composto fundamental no transporte de oxigênio para todas as células do organismo. A via metabólica de produção do heme é complexa e conta com diversas etapas com participação de algumas enzimas, cada uma codificada por um diferente gene. Mutações nesses genes acabam por levar a defeitos no funcionamento das enzimas e a diferentes tipos de porfirias, com acúmulo de substâncias tóxicas ao organismo e que podem levar a diversas manifestações clínicas.

 

As porfirias podem ser classificadas em hepáticas ou eritropoiéticas dependendo do local em que ocorre deficiência da enzima, e também em agudas ou cutâneas. As porfirias hepáticas agudas são aquelas associadas a manifestações sistêmicas e neurológicas:

  • Porfiria aguda intermitente – deficiência da enzima porfobilinogênio deaminase.
  • Porfiria variegata – deficiência da enzima protoporfirinogênio oxidase.
  • Coproporfiria hereditária – deficiência da enzima coproporfirinogênio oxidase.
  • Porfiria de Doss – deficiência da enzima ALAD (ácido aminolevulínico desidratase).

 

Todas as formas de porfirias hepáticas agudas são raras e de origem genética, sendo a mais frequente a porfiria aguda intermitente, que costuma manifestar-se principalmente em mulheres entre 20 e 50 anos de idade. A porfiria variegata e a coproporfiria hereditária, além dos sintomas sistêmicos e neurológicos, estão associadas a lesões de pele características, geralmente lesões avermelhadas e bolhosas em regiões de exposição a luz. A porfiria de Doss ou porfiria ALAD é uma forma extremamente rara, com pouquíssimos casos descritos no mundo.

 

As porfirias agudas costumam se manifestar em crises com diversos sintomas, que frequentemente são confundidos com outras doenças. Fatores ambientais como medicamentos, álcool, hormônios, dieta, estresse, exposição solar e outros, desempenham um papel importante no desencadear das crises. As principais manifestações observadas são:

  • Dores abdominais de forte intensidade – muitos pacientes são submetidos a diversos exames invasivos e até mesmo procedimentos cirúrgicos desnecessários até receberem o diagnóstico correto.
  • Sintomas neuropsiquiátricos, como alterações de humor, do sono, compulsões, agitação e em casos mais graves psicose, crises convulsivas e rebaixamento do nível de consciência (coma).
  • Episódios de paralisia aguda – uma das manifestações mais graves da doença, que frequentemente é confundida com outras doenças neurológicas agudas, como síndrome de Guillain Barré. Os episódios podem ter duração de semanas a meses e deixar sequelas sensitivas e motoras se não tratados. Em casos mais graves ocorre comprometimento da musculatura da deglutição e respiração com necessidade de ventilação mecânica.
  • Náuseas e vômitos
  • Alteração do hábito intestinal – constipação ou diarréia
  • Taquicardia, hipertensão, hipertermia – todas manifestações de desregulação do sistema nervoso autonômico.
  • Alteração da cor da urina pela elevada excreção de metabólitos. Costuma apresentar cor roxa, de onde vem o nome da condição (“porphyrus” em grego = cor púrpura).

 

 

Além dos sintomas agudos observados nas crises, muitos pacientes desenvolvem manifestações crônicas após muitos anos de doença. Dentre elas, se destacam o maior risco de desenvolver hipertensão arterial sistêmica, doença renal crônica e neoplasia hepática.

 

O diagnóstico pode ser sugerido através do quadro clínico e de alguns achados de exames complementares observados com frequência durante as crises, como hiponatremia (níveis baixos de sódio no sangue), eletroneuromiografia com polineuropatia axonal e elevação de ALA e PBG na urina, que são dois metabólitos associados às porfirias hepáticas agudas. A confirmação do diagnóstico, entretanto, é feita por meio de teste genético, que identifica mutação patogênica em um dos genes da via de metabolismo do heme.

 

O tratamento durante as crises agudas envolve o uso de soluções endovenosas ricas em glicose ou na medicação hematina ou hemina, que interfere em uma das enzimas da via de metabolismo do heme e reduz o acúmulo de metabólitos tóxicos. Essencial também, é a prevenção de fatores de descompensação sempre que possível. Os mais comuns são infecções, uso de alguns medicamentos, consumo de álcool e exposição a hormônios, principalmente estradiol. Uma nova terapia já está atualmente disponível, com objetivo de reduzir a ocorrência de crises agudas e de manifestações tardias como disfunção renal e câncer hepático nos pacientes com porfiria. Trata-se da givosirana, uma terapia genética de RNA de interferência que atua diretamente na enzima ALAS1, reduzindo os níveis de ALA e PBG, que são os principais metabólitos tóxicos responsáveis pelos sintomas nas porfirias agudas.

 

Em resumo, as porfirias são doenças metabólicas e genéticas raras, que podem cursar com diversos sintomas incluindo dores abdominais, lesões de pele, fraqueza muscular e sintomas psiquiátricos. O diagnóstico precoce é essencial, porque muitos pacientes são expostos a tratamentos e intervenções prejudiciais antes de serem diagnosticados corretamente. Além da prevenção de fatores desencadeantes de crises, já existem tratamentos disponíveis para acelerar a recuperação durante episódios de descompensação, assim como para preveni-los.