Síndrome da Pessoa Rígida

21 dez, 2022 | Bruno Badia | Comentários desabilitados

Síndrome da Pessoa Rígida

Bruno de Mattos Lombardi Badia

Recentemente muitos se surpreenderam com um vídeo publicado pela cantora Celine Dion em suas redes sociais, em que a artista revela de maneira emocionante a seus fãs a respeito do diagnóstico de uma doença neurológica rara que a manterá afastada de shows e gravações por pelo menos um ano. A doença em questão se chama “Stiff Person Syndrome” ou síndrome da pessoa rígida.

A síndrome da pessoa rígida é uma doença neurológica imunomediada caracterizada por um estado de hiperexcitabilidade do sistema nervoso. É uma doença rara (1 caso para 1 milhão de pessoas), descrita pela primeira vez em 1956 por Moersch & Wolfman nos Estados Unidos, inicialmente denominada de “Stiff Man Syndrome” ou síndrome do homem rígido. Posteriormente a nomenclatura foi modificada para síndrome da pessoa rígida ao se constatar que a doença é mais frequente em mulheres.

A maioria dos casos está relacionada à presença de um anticorpo chamado anti-GAD65, que é produzido pelo próprio organismo e acaba por prejudicar a enzima responsável pela produção do neurotransmissor GABA que tem um importante efeito inibitório de estímulos no sistema nervoso central. O comprometimento do efeito inibitório GABA acaba por levar a um estado de hiperexcitabilidade do sistema nervoso, que é responsável pelo quadro clínico da doença.

Os principais sintomas e sinais da forma clássica da doença são:

  • Rigidez muscular nos membros
  • Rigidez muscular axial = músculos ao redor da coluna espinhal, abdome, pescoço
  • Espasmos dolorosos – frequentemente podem desencadeados por alguns gatilhos, como ruídos altos, estímulos táteis, sustos ou estresse emocional.
  • Dor nas costas, dores musculares e cãibras.
  • Sintomas neuropsiquiátricos = ansiedade, depressão, fobias 

A doença frequentemente está associada a outras condições autoimunes, como:

  • Diabetes mellitus do tipo 1
  • Doenças da tireóide: Tireoidite de Hashimoto e doença de Graves
  • Vitiligo
  • Anemia perniciosa
  • Doença celíaca
  • Lúpus eritematoso sistêmico
  • Miastenia gravis
  • Retinopatia e esclerite autoimunes

O diagnóstico da Síndrome da Pessoa Rígida envolve a análise do quadro clínico em conjunto com alguns exames complementares. O estudo neurofisiológico por eletroneuromiografia costuma ser de grande importância, revelando um padrão de co-contração muscular contínua de músculos agonistas e antagonistas. Além disso, a presença de autoanticorpos no sangue ou líquido cerebroespinhal é importante na confirmação do diagnóstico. O anticorpo anti-GAD65 está presente em cerca de 80% dos casos, mas diversos outros já foram descritos, incluindo: anti-receptor de glicina, anti-anfifisina, anti-GABAa e anti-DPPX. Especialmente nas formas relacionadas ao anticorpo anti-anfifisina é essencial realizar um rastreio para neoplasias, sendo mais frequente associação com câncer de mama, pulmão e melanoma.

Além da forma clássica, existem outras duas apresentações distintas dentro do espectro da doença, uma focal conhecida como “Stiff limb” em que os sintomas são restritos a apenas um membro do corpo (geralmente membro inferior) e uma forma mais grave conhecida por PERM (Progressive Encephalomyelitis with Rigidity

and Myoclonus). A variante PERM tem apresentação mais aguda e além da rigidez podem estar presentes encefalopatia (comprometimento da consciência), mioclonias (movimentos involuntários), acometimento de nervos cranianos, alterações autonômicas (sudorese, taquicardia, hipertermia), crises epilépticas, alterações de força e coordenação motora. A maior parte desses casos está relacionada a outro anticorpo, conhecido por anticorpo anti-receptor de glicina.

Apesar de não ter cura, a Síndrome da Pessoa Rígida tem tratamento. Reabilitação com fisioterapia motora está indicada para todos os pacientes e técnicas alternativas como massoterapia e acupuntura podem ser benéficas em alguns casos como adjuvantes no tratamento de dor. O tratamento medicamentoso costuma ser feito utilizando medicações sintomáticas com efeito relaxante muscular e que atuam em receptores GABA, sendo a primeira escolha o diazepam por via oral, com doses que podem chegar a até 80 mg/dia. Outras medicações que podem ser utilizadas incluem baclofeno, levetiracetam e gabapentina. Casos mais graves refratários ao uso de medicações sintomáticas ou com comprometimento motor significativo são tratados com terapias imunomoduladoras incluindo administração endovenosa de imunoglobulina humana ou plasmaférese.

Em resumo, a Síndrome da Pessoa Rígida é uma doença neurológica autoimune bastante rara e muitas vezes de difícil identificação, cursando com sintomas de rigidez muscular e espasmos dolorosos, que causam importante impacto funcional e sobre a qualidade de vida dos indivíduos acometidos. O diagnóstico depende da suspeita clínica e da realização de exames como dosagem de autoanticorpos e eletroneuromiografia e o tratamento envolve medicações sintomáticas como o diazepam e em casos mais graves administração de imunoglobulina.