Tenho um caso de doença neurológica na família. E agora?

13 set, 2022 | Bruno Badia | Comentários desabilitados

Tenho um caso de doença neurológica na família. E agora?

Por Dr. Bruno de Mattos Lombardi Badia

Com o aumento gradual da expectativa de vida da população em geral, tem aumentado também a incidência de doenças neurológicas, especialmente condições neurodegenerativas como doença de Alzheimer e doença de Parkinson.

Existe grande preocupação após o diagnóstico de doenças neurológicas em familiares quanto ao risco pessoal de vir a desenvolver o mesmo problema no futuro.

O primeiro ponto a ser esclarecido é que existem diversas doenças neurológicas, cada uma delas com diferente origem e influência da genética. As doenças chamadas monogênicas são provocadas por alterações em genes específicos capazes de provocar doença e serem transmitidas aos descendentes. Esse grupo de doenças genéticas monogênicas, ainda pode ser dividido de acordo com a herança ou a forma que a doença é transmitida aos descendentes. 

Doenças com herança ligada ao cromossomo X costumam ser transmitidas pela mãe e manifestam-se principalmente em indivíduos do sexo masculino. As doenças com herança autossômica estão ligadas a mutações em genes dos cromossomos 1 a 22, sem influência do sexo do indivíduo. Nas autossômicas dominantes a presença de apenas uma mutação herdada do pai ou da mãe é suficiente para provocar doença e a chance do indivíduo afetado transmitir a doença aos seus descendentes é de 50%. Nas autossômicas recessivas são necessárias duas mutações, uma herdada do pai e outra herdada da mãe, para manifestar doença sendo a chance de um casal de portadores ter um filho acometido de 25%.

São alguns exemplos de doenças neurológicas monogênicas: 

– Doença de Huntington;

– Atrofia muscular espinhal;

– Distrofias musculares;

– Doença de Charcot-Marie-Tooth;

– Polineuropatia amiloidótica familiar;

– Lipofuscinose ceróide neuronal;

– Ataxias espinocerebelares;

– Porfirias hepáticas agudas;

– Adrenoleucodistrofia.

Existem formas monogênicas de doença de Alzheimer, Parkinson e esclerose lateral amiotrófica (ELA), mas estas são bastante raras e correspondem à minoria dos casos, geralmente com início dos sintomas bastante precoce e com diversas gerações de familiares acometidos.

A maioria das doenças neurológicas degenerativas, como Alzheimer, Parkinson e ELA são de herança complexa ou multifatorial, em que existe papel menor de vários genes diferentes e muitas vezes desconhecidos associado a fatores ambientais, inflamatórios, envelhecimento e degeneração das células nervosas e outros mecanismos ainda não esclarecidos. O aparecimento de uma dessas doenças em indivíduo idoso e sem antecedente familiar prévio é frequentemente chamada esporádica, não sendo possível identificar uma alteração genética responsável e sem transmissão direta aos descendentes.

Em relação às doenças cerebrovasculares, em especial os acidentes vasculares cerebrais (AVC) isquêmicos e hemorrágicos, a situação é semelhante. Apesar da possibilidade de carregarmos uma carga genética com predisposição à sua ocorrência, o impacto causado por fatores ambientais ou modificáveis, como tabagismo, etilismo, obesidade, colesterol elevado, hipertensão e diabetes é muito maior. A ausência de antecedente de AVC na família não confere proteção a um indivíduo sedentário, obeso e tabagista, assim como a presença de um parente com AVC não deve elevar consideravelmente o risco de sua ocorrência em um paciente saudável e com bom controle de seus níveis de pressão arterial, colesterol e glicemia.

Concluindo, a presença de doença neurológica em um familiar próximo não deve ser motivo de pânico. Cada caso deve ser avaliado individualmente porque existem diversas condições em que o risco de manifestação da doença em outros indivíduos da família é muito baixa ou mesmo não há qualquer relação. Nas condições em que de fato há possibilidade de se tratar de doença genética o acompanhamento com especialista é essencial para um diagnóstico precoce e aconselhamento.